A Verdadeira Liderança Deve Autodestruir-se
Pekudei [Êxodo 38:21-40:38]
Pekudei é a última porção semanal do Livro do Êxodo. Ela encerra a história da escravidão dos Filhos de Israel e da sua libertação da servidão ao faraó egípcio.
O Livro do Êxodo também poderia ter sido chamado o Livro de Moisés. Ele regista a sua vida, fornecendo um histórico detalhado da sua presença na história da Torá, desde as circunstâncias do seu nascimento e da sua infância até à revelação de Deus, que transformou Moisés em shaliah (mensageiro de Deus), assim como a longa e desafiadora Viagem que o tornou líder do seu povo.
A porção Pekudei é também a última na sequência da porção semanal que descreve a construção do mishkan (tabernáculo). Os últimos versos de Pekudei são verdadeiramente festivos, reflectindo a grandeza do momento: “E fez levantar o pátio ao redor do Tabernáculo e do altar, e pôs o véu da entrada do pátio. E acabou Moisés a obra. E cobriu a nuvem a tenda da reunião, e a glória do Eterno encheu o Tabernáculo. E não pôde Moisés entrar na tenda da reunião porque pousou sobre ele a nuvem, e a glória do Eterno encheu o Tabernáculo.”
O momento é grande, o mishkan está terminado. A presença de Deus preencheu-o, e o palácio tornou-se apropriado para o seu Rei. Depois do grande perigo e das calamidades do Êxodo, a hora da vontade de Deus, et ratzon, desce sobre Moisés e os Filhos de Israel. O seu primeiro ano de andanças no deserto chegou ao fim. Este é um momento de grande construção, criatividade e criação, e é um final muito apropriado para a história.
No entanto, há um triste tom negativo no versículo: “E não pôde Moisés entrar na tenda da reunião…” Depois de todas as provações, da sua lealdade e fé, depois de um ano de desafios e perigos, depois de tudo o que Moisés fez em prol de assegurar que a construção do Tabernáculo agradaria ao seu Deus, não há lugar para ele porque, segundo nos dizem, “E cobriu a nuvem a tenda da reunião, e a glória do Eterno encheu o Tabernáculo.”
Isto é, irradiou-se tanta presença e glória de Deus no Tabernáculo que não sobrou lugar para Moisés.
Podemos confortar-nos interpretando estes versículos como uma representação da maior satisfação de Deus com Moisés e o Seu povo: Eles fizeram o que Deus lhes exigiu com precisão e cuidado, e naquele momento, quando Moisés executa o seu último acto e cumpre o seu último mandamento, Deus imediatamente mostra a Sua presença em plena glória. Assim, podem ter a certeza de que Deus está satisfeito. E quanto mais glória, mais Deus se agrada.
E, de qualquer forma, quem deveria estar presente no mishkan em primeiro lugar? Afinal, não era uma habitação para os seres humanos.
Desde o seu início, este mishkan não tinha sido planeado e construído para Moisés ou para qualquer outra pessoa; havia sido unicamente para Deus: “E Me farão um santuário e morarei entre eles.” (Êxodo 25: 8).
Então, talvez não devêssemos sentir-nos mal por Moisés, por ele não ser capaz de entrar. Devemos, provavelmente, contentar-nos em admirar a criação do Mishkan, construído por pessoas comuns e inspirado por Deus, e as gloriosas nuvens da presença de Deus.
No entanto, de alguma forma, esse grande esplendor deixa-nos distantes. Perdemos o senso de intimidade e sentimos uma profunda tristeza por Moisés, que havia trabalhado tão duro, que tinha sido o líder e protector do seu povo mesmo quando enfrentaram o Todo-Poderoso. Foi Moisés quem falou com Deus cara a cara, mas é Moisés que agora é deixado fora.
O versículo transmite uma falta de conexão. E embora a porção semanal termine com a descrição das nuvens de glória que guiam Israel dia e noite no deserto, o sentimento de conexão directa é interrompido.
Talvez não possamos tolerar muita glória, mesmo que seja a glória de Deus?…
Ou talvez um verdadeiro líder deva liderar até que ele ou ela não mais seja necessário(a). A verdadeira liderança deve auto-destruir-se. A liderança é necessária em tempos conturbados e de agitação e, se ela serve as pessoas e os seus objectivos, então ela deve resolver os problemas, trazendo calma e tranquilidade.
De acordo com esta interpretação, a liderança exige o máximo de altruísmo e auto-abdicação. As pessoas podem agir abnegadamente numa variedade de situações, mas isso não significa que elas não busquem gratidão ou reconhecimento.
Depois de terminar o Livro do Êxodo na manhã de Shabbat, e proclamar a nossa parceria com Deus e responsabilidade mútua, como fazemos quando terminamos um dos cinco livros da Torá, estaremos perante o primeiro capítulo de Levítico, o próximo livro, que começa com, “E chamou a Moisés, e falou-lhe o Eterno da tenda da reunião…”
Não devemos sentir desespero: à medida que continuamos a ler, percebemos que a conexão e a intimidade ainda estão presentes. Há muitos mais desafios daí em diante para os teimosos filhos de Israel, à medida que vão cumprindo o seu longo caminho para a terra prometida aos nossos antepassados. À medida que continuamos a nossa leitura, percebemos que a Torá nos ensina a ser gratos, não a descartar os nossos líderes quando não mais necessitamos deles, mas sim a segurarmos o nosso relacionamento com eles. Se Deus o faz, então certamente que o devemos também fazer.
Shabbat Shalom!