Parashá da Semana
Parashá da Semana
Entre Fugas (ou o Percurso de Retorno)
É tentador se fixar nesta parashá, em episódios que marcam o nosso imaginário e sedimentam o nosso conhecimento da história judaica. Sulam Yaakov, a escada com que sonha Yaakov (Jacob); o seu encontro com Rachel; os truques e enganos de Lavan (Labão, seu tio e sogro). A narrativa evolui como um romance, como boa parte do livro de Bereshit, permeado por oportunidades para pinçar aprendizados de vida que absorvemos a partir, ora de um trecho, ora de uma única frase, e às vezes, de uma só palavra. Mas gostaria de aproveitar a parashá para olhar de forma mais ampla para a vida de Yaakov, buscando entendê-lo melhor, focando na parcela da sua história narrada em Vaietzê.
Podemos separar a vida de Yaakov em quatro grandes partes. A primeira se estende do seu nascimento até à sua saída da casa dos pais. A segunda o acompanha até às vésperas de reencontrar o seu irmão, Esav (Esaú). A terceira vai até à perda do seu filho dilecto, Yossef (José) e a quarta se encerra com a sua morte, pacificado, após reencontrar o filho que acreditava perdido.
A nossa parashá descreve o segundo período acima, que se inicia com o nosso protagonista fugindo da ira do seu irmão, do qual, com malícia e artimanhas, desviara o direito à progenitura, à bênção paterna e à herança espiritual de Avraham (Abraão) e Itzchak. Certamente perseguido por sentimentos contraditórios, encontra o seu equilíbrio na inspiração divina, no amor e na sua capacidade de trabalho, como veremos adiante.
O sonho com a escada, na qual mensageiros de Deus sobem e descem entre os céus e a terra, e a partir do qual Deus lhe promete acompanhá-lo e protegê-lo, ratificando as promessas anteriormente transmitidas a seu pai e a seu avô, atenua a sua angústia e lhe abre o coração. Somente assim pode encantá-lo a visão de Rachel, se aproximando do poço para dar de beber ao rebanho que ela apascentava. Se pondo a trabalhar para o futuro sogro de forma a casar-se com a mulher por quem se enamorara, sete anos se passam, mas aos seus olhos, parecem apenas uns poucos dias, tal a intensidade do seu amor. Aqui, encontramos uma bela metáfora para a criação do mundo em sete dias: biliões de anos se passaram, mas o amor infinito de Deus pela sua criação faz com que possam ser percebidos como se fossem dias.
Com a inspiração, o amor e o trabalho, atravessa a série de percalços impostos pelo seu sogro, que o faz casar inicialmente com a filha mais velha, Lea, para somente então permitir que se case com Rachel, e que seguidamente muda as regras acordadas para que Yaakov siga trabalhando para ele. Yaakov avança, e muitos passos positivos são dados: constrói a sua família, tendo 11 filhos e uma filha; enriquece. Finalmente, parece ter completado o seu ciclo distante da terra dos pais, quando Rachel dá à luz Yossef, enquanto amplia enormemente o seu rebanho e percebe que na casa de Lavan grassa a inveja em relação a ele.
Planeja e executa então uma fuga, desta vez na direcção contrária, de volta a Canaan, caminho que desejava percorrer desde o momento inicial da sua trajectória.
A parashá, portanto, nos faz acompanhar Yaakov entre duas fugas, num percurso de retorno que o obriga ao crescimento pessoal, e que se completará no início da parashá seguinte, ao lutar com um misterioso personagem, que lhe dá o nome Israel, do qual somos herdeiros para sempre. Somente ali Yaakov, agora Israel, pára de fugir e se reencontra com o seu destino.
Isto nos remete ao processo a que nos conduz o ano judaico, ao longo do qual, motivados pela inspiração e pelo amor, e conduzidos por um trabalho/esforço permanente, fugimos das nossas limitações quotidianas, nos afastamos das promessas feitas e dos compromissos assumidos sem a devida ponderação, identificamos os momentos de redução da escuta e da tolerância para chegarmos ao período de Iamim Noraim num balanço que nos permitirá enfrentar os nossos fantasmas para ultrapassá-los, no caminho de retorno ao potencial do que podemos ser.
É assim que nos tornamos, dia a dia, dignos de sermos Bnei Israel.
Shabat Shalom,
Ricardo Gorodovits