O livro do Bar Mitzvá de Paul Max Hechinger
Um dos primeiros livros que eu vi ao catalogar os livros históricos da Ohel Jacob foi um livro de reza, feito e lançado por uma sinagoga em Munique. Um livro de reza de rito progressista, publicado em 1922. Que pena não ser um livro da sinagoga “Ohel Jacob” em Munique, fundada em 1892, pois que essa sinagoga foi formada, precisamente, por pessoas que não gostaram o rito progressista e se separavam da sinagoga principal reformista.
Porém, o livro na biblioteca da Ohel Jacob, em Lisboa, é um livro progressista, tendo pertencido à sinagoga principal de Munique (“Hauptsynagoge”). A inscrição dentro do livro quer dizer: “Paul Max Hechinger comemorando o seu Bar Mizvá em 13 de Março de 1937.” Abaixo do carimbo da “Direcção da Comunidade Judaica de Munique” surge a assinatura do “Dr. Oestreich”.
Sabemos que Paul Max nasceu dia 3 de Março de 1924. O dia do seu Bar Mitzvá foi o primeiro dia de Nisan no calendário Judeu, em Shabát “Vaikrá”. Na sinagoga principal existia um serviço de juventude nesse shabat, de acordo com as notícias das sinagogas em Bavária. Quem sabe, talvez o Bar Mitzvá tivesse sido parte desse serviço de juventude. Talvez Paul Max tivesse feito a leitura dos Profetas para Shabat Hachodesh em Alemão, como de costume, nas sinagogas progressistas. É muito provável que ele tivesse aprendido a cantar a Torá e que tenha cantado pelo menos a última parte da leitura. Ao fim do serviço, um membro da Direcção ter-lhe-á dado esse livro de rezas, explicando, naturalmente, que este livro poderia ser usado com muita frequência. Com certeza foi um dia especial para toda a família Hechinger.
É muito comum os jovens, depois da Bar Mitvá, não usarem o livro de reza que lhes fora dado para usar com frequência, e não se interessem mais pela sinagoga durante os anos seguintes. Mas no caso de Paul Max foi diferente: ele não pôde. Porque a sinagoga dele foi demolida 21 meses depois do seu Bar Mitzvá.
O que acontece com o jovem Paul Max, que na Noite de Cristal, em 1938, tinha 14 anos? No “memorial book” do Estado da Alemanha, diz que ele foi deportado, mas que não se sabe para onde. Normalmente, nesse “memorial book” estão contidas pessoas que os nazis buscaram e transportaram para uma prisão ou campo de concentração. Então, Paul Max terá sido raptado, talvez com a família dele, não tendo, obviamente, chegado a lugar algum.
Nós temos aqui o livro de rezas dele! O Livro que a sinagoga lhe havia dado para o seu Bar Mitzvá. Então, ele – ou alguém da sua família – tinha que ter estado em Lisboa, pelo menos por um tempo, ainda que curto, e trouxe este livro para aqui. Após mais pesquisa, encontrámos o nome Paul Max Israel Hechinger numa lista de passageiros que terá chegado a Nova York entre 1820 e 1957: “New York, Passenger Lists, 1820-1957: PASSENGER LISTS NAME: Paul Max Israel Hechinger.” Durante o tempo nazista cada judeu tinha que adicionar o nome “Israel” ou “Sara” ao seu nome, daí Paul Max Israel.
Sabemos também o caminho de Paul Max Israel de Lisboa para Nova York! Mas não sabemos nada sobre o aconteceu em Munique e como terá sido o percurso de Munique para Lisboa! No dia 9 de Junho de 1941, ele optou por um visto para os EUA. Foi o visto número QIV 17266. No dia 20 de Agosto, embarcou no porto de Lisboa, no barco “SS Mouzinho”, viajando em 3ª classe como passageiro *231 (Ver mais). O barco português “SS Mouzinho” foi um dos que trouxe crianças judias para os EUA. Em Setembro de 1940, a organização HICEM (a Associação Judia de caridade para a emigração no exterior) começou a planear facilitar a emigração de crianças judias para os Estados Unidos com vistos especiais do Departamento de Estado. Embora esta iniciativa se destinasse a crianças de idade até treze anos, na verdade, crianças até 16 anos também foram aceites, tendo estes acompanhado as crianças mais novas. Parentes nos Estados Unidos obtiveram os vistos americanos e pagaram o custo da viagem. A “Joint” (American Joint Distribution Committee) facilitou e financiou a emigração de crianças sem parentes americanos. A HICEM também tratou dos vistos franceses de saída, os vistos de trânsito espanhol e português, e das reservas em navios fora de Lisboa.
Mas Paul Max já tinha 17 anos, um ano a mais para ter direito a esse programa. E também ele não tinha parentes nos EUA. A pessoa que lhe pagou a passsagem foi Erich M. Warburg de Hamburgo. Na lista dos passageiros, diz que foi um amigo do pai de Max. Em 1938, E.M. Warburg acabou fugido da Alemanha para os Estados Unidos, e durante a Segunda Guerra Mundial ele serviu como Tenente-Coronel e Oficial de Inteligência no Exército dos Estados Unidos. Durante a guerra, Warburg facilitou a migração de cientistas alemães e suas famílias para os Estados Unidos. A lista dos passageiros de “SS Mouzinho” diz que foi ele que pagou a viagem do jovem Paul Max. Paul Max viajou sozinho, sem um amigo ou irmãos. Não tinha ninguém nos EUA que o conhecesse. Não tinha dinheiro com ele.
E não foi uma das crianças salvas nesse barco, pois não mentiu sobre a sua idade. As fontes mostram claramente que ele tinha 17 anos. Mas ele viajou como aprendiz de cozinheiro. Ele trabalhou no barco!!
A viagem no mar levou 13 dias.
Paul Max Hechinger chegou em Nova York dia 2 de Setembro de 1941. Mas não trouxe o livro de rezas com a lembrança do seu Bar Mitzvá, de há quatros anos atrás, consigo. Esse livro ficou na Ohel Jacob, em Lisboa. Ele deve ser estado aqui, dificilmente se pensa noutra forma de explicar a presença do livro na nossa biblioteca. Com certeza o nome da sinagoga asquenazita de Lisboa terá provocado memórias de Munique, onde já não existia a sinagoga “Ohel Jacob”, por ter sido demolida na Noite de Cristal. Mas agora o nome Paul Max Hechinger faz-nos recordar a nós a historia das sinagogas em Munique e do programa de ajuda das crianças das organizações americanas HICEM e Joint em 1941 (também referidas no artigo sobre a História da Ohel Jacob).