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História da Hehaver-Ohel Jacob | Parte II

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O regresso dos Sefarditas e a vinda dos Askenazis – duas linhas distintas, uma fractura do passado

Ohel Jacob e os B'nei Anussim

A 19 de Outubro de 1739 foi queimada a última vítima do Tribunal do Santo Ofício em Portugal – o judeu António José da Silva – e em 1773, após a subida do Marquês de Pombal ao poder (que franqueia as portas ao regresso dos judeus, pela introdução de relevantes reformas como a extinção da distinção entre Cristãos-Novos e Cristãos-Velhos, a extinção das Inquirições, assim como a abolição da proibição da prática do criptojudaísmo), é publicada a Carta de Lei/Constituição Geral e Édito Perpétuo, que põe termo à discriminação. Ainda antes da extinção da Inquisição, os judeus começaram então a regressar a Portugal, continuamente, inicialmente os vindos do norte de África – Marrocos e Gibraltar – e posteriormente os oriundos de vários outros territórios, incluindo países da América Latina e Oriente. Esses judeus vindos do norte de África, sefarditas coesos e zelosos na sua fé Judaica, de nível cultural acima da média, foram-se instalando em Faro, Açores e Madeira, mas sobretudo em Lisboa, ao longo de um século, reintegrando-se lentamente na sociedade, criando estruturas sociais e espaços comunitários com rápida proliferação a partir de finais do século XIX.

Após a Lei da Separação do Estado e da Igreja e a nova Constituição que conferia aos judeus portugueses os mesmos direitos dos outros cidadãos (1911), e que permitiu a aprovação dos estatutos desta congregação (1912), conhecida como a “Colónia Israelita”, dando origem à Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) , a mesma desdobrou-se em iniciativas privadas, desde pequenas sinagogas criadas em apartamentos alugados, a associações de beneficência, centros de oração, cemitérios, boletins, comissões, jantares, bibliotecas, bailes, concertos, excursões, entre outras, das quais se destacam a instituição Somej-Nophlim (“Amparo dos Pobres”, 1865), responsável mais tarde (1916) pela abertura do Hospital Israelita (de suprema importância durante a Segunda Grande Guerra); a instituição Guemilut Hassadim (1862); a Cozinha Económica (1899); a grande Sinagoga Shaaré-Tikvá, construída de raíz em terreno adquirido em nome de particulares, e inaugurada em 1904; a Associação de Estudos Hebraicos Ubá Le Zion (1912), a Biblioteca Israelita (1914), a Associação Malakah Sionith, fundada por Barros Basto (Porto, 1915), a Federação Sionista de Portugal (1920) e a Escola Israelita (1929). É neste contexto que é fundada a Associação de Juventude Israelita Hehaber, em 1925, por um grupo de jovens israelitas de Lisboa, que assumiria papel de grande destaque por altura da Segunda Grande Guerra. Uma instituição que começou por abranger “actividades sociais e lúdicas, com aulas de hebraico, jogos de salão, etc., sedeada inicialmente na Rua Alexandre Herculano, e que congregava tanto jovens judeus sefarditas como os askenazis que foram chegando depois.” [Marina Pignatelli]

Ainda segundo Marina Pignatelli, “é a partir da segunda metade dos anos 20 que começam a chegar a Lisboa os judeus askenazi, vindos do Leste europeu, sem grandes recursos e muitas dificuldades de integração. Tratavam-se de emigrantes forçados a fugir do pogroms que assolaram as suas terras de origem e/ou afugentados pelas graves crises económicas, nomeadamente na Polónia, a partir de 1924, contextos que os obrigaram a procurar melhores condições de vida noutras paragens. Muitos destes judeus passaram temporariamente por Lisboa, pois pretendiam continuar em rota, designadamente para os Estados Unidos ou Israel. Porém, alguns ficaram por força de circunstâncias várias, nomeadamente impossibilidades financeiras ou dificuldades na obtenção da documentação necessária para prosseguir viagem. A sua integração na sociedade portuguesa não foi, para a maioria, muito fácil de início e, para alguns, nunca seria conseguida plenamente. O choque cultural era evidente, por virem de aldeias e cidades da Polónia, Ucrânia, Alemanha ou da Rússia, algumas habitadas só por judeus, trazendo consigo tanto as referidas carências económicas, como ainda grandes contrastes quanto aos níveis de instrução, da língua, da religião e cultura em geral, relativamente não só aos portugueses como aos próprios judeus que já se encontravam cá instalados. (…)

Começaram por se acomodar inicialmente em pequenas pensões e deambulavam pelas ruas da cidade a vender os seus artigos em tabuleiros pendurados ao pescoço, especialmente malhas, gravatas, cutelaria e bijutaria. Mas porque eram muito humildes, além de judeus, muitos eram alvo de discriminação e anti-semitismo. Ainda assim, procuravam “fazer pela vida” e foram adquirindo pequenos espaços para dinamizar as suas actividades e profissões.”

Este grupo de judeus foi-se estabelecendo, especialmente na zona centro da cidade, e organizando-se para celebrar os serviços religiosos. Começaram por se encontrar nas instalações da Hehaber (1932), tendo sido este grupo o responsável pela criação da Sinagoga Ohel Jacob (1934), que iniciou actividade num andar alugado por cima de uma garagem, na Av. Miguel Bombarda, e depois veio a mudar-se para a Av. Elias Garcia, onde ficaria conhecida como a “Sinagoga dos Polacos”, de rito askenazi, a única em Portugal até aos dias de hoje.

Os entrevistados por Marina Pignatelli recordam nomes de famílias polacas como Ryten, Ridel, Bekermen, Eisenberg, Tennenbaum, Brodder, Katz, Sapese (negócio das malhas), Katzan (quinquilharia nos Açores), Herzberg e Back Gordon (médicos), Hiller (dentista), Kopeijka, Segal, Romerowsky, Aberlé, Abolnik (cutelaria), Goldstein, Kak, Azriel, Pinhas Cohen, Jablonski, Hagler e Olozinsk.

“São muitas as diferenças que se podem apontar entre os judeus sefarditas e os askenazi, no que toca aos ritos e tradições, nos serviços religiosos públicos e domésticos, nos cantos, indumentária, culinária, etc. Constituem, na verdade, ramos do judaísmo caracterizados por heranças culturais que se distinguem consoante os contextos nacionais, históricos e culturais em que estiveram inseridos e de onde necessariamente embeberam especificidades. Tais tradições foram sendo construídas com os séculos, transportadas no espaço e no tempo e transmitidas de geração em geração e marcam, sem dúvida, até hoje, duas grandes linhas dentro do judaísmo na diáspora.” [Marina Pignatelli]

A esta distinção viria a juntar-se a questão sensível dos b’nei anussim, os descendentes dos criptojudeus, dispersos e com necessidade de regressar à fé judaica. Entre as décadas de 1920 e 1930, foi iniciado o movimento “Obra do Resgate”, da iniciativa do Capitão Artur de Barros Basto, um marrano convertido ao Judaísmo em 1920, e do Engenheiro Samuel Schwarz, um judeu de origem polaca e investigador da cultura hebraica. Ambos pretendiam a reintegração das comunidades judaicas marranas no sentido de as fazer regressar à ortodoxia. Embora com repercussão a nível internacional, este projecto teria o seu fim anunciado, pois que essas muitas diferenças entre linhas judaicas distintas se manifestariam em influências contrárias, além das forças anti-judaicas fomentadas pela formação do Estado Novo, que sacrificariam inclusivamente a carreira de Barros Basto, expulso do Exército pelo CSDE (Conselho Superior de Disciplina do Exército). No entanto, apesar das inúmeras iniciativas e instituições desaparecidas, como a Portuguese Marranos Comittee (formada em Londres, 1926), prevalece uma herança considerável, como o reconhecimento da Comunidade Israelita do Porto (1923), a fundação do jornal Ha-Lapid (1929) – grande difusor de ideias sionistas –, a instalação da sinagoga Mekor Haim (1938), considerada por Barros Basto como a “Catedral Judaica do Norte de Portugal”, assim como o livro “Os Cristãos Novos em Portugal no Século XX” que valeu a Schwarz a notoriedade necessária para obtenção de financiamentos e apoios à causa durante algum tempo.

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Cristãos-Velhos > referente aos judeus cristãos filhos de avoengos convertidos, mas também cristãos que não foram judeus nem tinham antepassados judeus.
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Askenazis > Judeus originários da Alemanha e Polónia; termo oriundo do hebraico medieval que traduz “Alemanha” – Ashkenaz – nome derivado de Askenez, um dos netos de Jafet ou Jafé e bisneto de Noé, cujos descendentes se acredita terem avançado desde a Ásia Menor até ao Norte da Europa.
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Ha-Lapid / O Facho > Orgão da comunidade Israelita do Porto, foi o jornal da “obra do resgate dos marranos Portugueses”, com 156 números publicados entre 1927 e 1958.
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Salomão Marques > Sefardita oriundo do Norte de África, nascido a 9 de Novembro de 1931 e falecido a 5 de Abril de de 2012; comerciante de profissão.
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Sapese Noymark > Judeu de origem polaca, trabalhador em fábrica de malhas, nascido a 4 de Junho de 1928 e falecido a 19 de Maio de 2000.
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Sinagoga de rito Progressista, única askenazi em Portugal, fundada em 1934. Membro Afiliado da EUPJ/WUPJ (European Union Of Progressive Judaism / World Union Of Progressive Judaism) desde Abril de 2016.